Quando o dia ainda não amanheceu, eu chamei pelos deuses ajoelhada no chão da cozinha as duas da manhã, o asfalto queimou meus pés e as calçadas não deram conta de abrigar meu choro. Quando na minha cabeça moravam vozes demais que me cortavam com aquilo que diziam a minha garganta seca e o estomago ardendo tornaram meus passos turvos. Quando pesadelos eram os sonhos mais próximos, e a memória só me sabotava e me confundia com a realidade. Quando eu olhei no espelho e não vi nada além do muro que criei pra me defender e mesmo assim em pedaços me vi bela. Quando a minha carne sentiu falta de toque e de afeto e as despedidas que ainda me pesavam. Quando as luzes da cidade já não me encantaram mais e eu tomei banho de chuva até me alagar por dentro, sempre desabando e nunca fincando os pés em lugar algum. Quando todos os poros estavam feridos e quando tudo foi fim, ainda assim eu fui palavra e por isso não morri.